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CONSTRUÇÃO EM AÇO: O QUE AINDA FALTA EVOLUIR

Reservando excelentes oportunidades e perspectivas para o setor siderúrgico, a nova fase da construção industrializada no Brasil ganha força e musculatura.

Marcus Frediani

Você foi um daqueles que, no começo da pandemia da CO- VID-19, se surpreendeu com a rapidez e precisão das obras de construção dos hospitais na China para atender aos pacientes do novo coronavírus? Ou que ainda fica boquiaberto com a velocidade com que eles levantam um prédio de 20 andares em apenas um mês? Pois é, esses são apenas alguns dos “milagres” possíveis com a construção industrializada. Sonho ainda distante no Brasil? Com certeza não é.

Embora poucos soubessem, um novo capítulo da história na construção civil vem sendo escrito por alguns visionários, e agora a possibilidade de acelerarmos nosso processo de inclusão em tais metodologias é bem grande. Essa é uma das muitas boas notícias que o Engenheiro civil e diretor geral do Instituto de Tecnologias de Industrialização das Edificações (ITIE), Antonio Gilberto de Freitas Filho, revela nesta entrevista exclusiva à revista Siderurgia Brasil. Confira e, pedindo perdão pelo trocadilho, comece a “construir” novas e produtivas ideias a partir da leitura!

Embora poucos soubessem, um novo capítulo da história na construção civil vem sendo escrito por alguns visionários e agora a possibilidade de acelerarmos nosso processo de inclusão em tais metodologias é bem grande.

Antonio Gilberto de Freitas Filho, engenheiro civil e diretor geral do Instituto de Tecnologias de Industrialização das Edificações (ITIE)

Siderurgia Brasil: Gilberto, como você avalia a evolução do conceito de construção industrializada no Brasil?

Antonio Gilberto Freitas Filho: A industrialização da produção de edificações tinha um contexto propício entre as décadas de 1960 a 1980 no Brasil, porém o interesse foi perdendo força. Com raras exceções, transformou-se em um nicho específico de algumas empresas especializadas em estruturas. Inicialmente as empresas, as instituições e a academia de um modo geral apostaram numa via de progresso da construção civil no setor de edificações baseada na “racionalização da construção civil”, visando otimizar tarefas de execução nos canteiros de obras e que seria a chave do sucesso nos empreendimentos. Na prática essa estratégia foi um desastre em termos de avanços tecnológicos e na cultura do setor.

Por quê?

Porque o grande “X” da questão continuava sendo controlar bem os processos de execução nos canteiros de obra, através de análises prévias dos fatores que impedem o desenvolvimento, bem como o conjunto de ações a serem tomadas visando à otimização dos recursos humanos, materiais, tempo e recursos financeiros, buscando formas mais eficientes de melhorar os fluxos, a fim de reduzir prazos, o desperdício e o retrabalho. As médias e grandes construtoras buscaram nesse conceito mitigar tais problemas, ou ampliar o controle desses fatores nos canteiros de obras. Porém, fizeram isso sem o devido investimento em novas tecnologias e equipamentos que “transformassem as tarefas dos canteiros de obras em demanda para a indústria moderna”. Como resultado, a nossa produtividade estagnou e a sedução pela “mão-de-obra barata” se mostrou insustentável. Podemos dizer que a “política da racionalização da construção civil” provocou a estagnação industrial desse segmento, tendo se tornado um problema nacional. E, enquanto isso, os países mais industrializados do mundo foram se preocupando com a questão de ter uma matriz mais diversificada de produtos e soluções construtivas.

Então, essa é a razão principal de o Brasil estar tão atrasado e apresentar um desempenho inferior na área?

Não, não é bem assim. Não somos tão piores do que os outros, a produtividade na construção civil é um desafio mundial. A falta de investimentos em industrializar todos os processos de produção das edificações, somada a uma matriz de sistemas construtivos não diversificada, reduziu nossa capa- cidade de superar os desafios do século 20. É bem verdade que o setor do aço, a seu modo, fez seus esforços. A CSN, por exemplo, chegou a criar uma empresa de projetos e fabricação de estruturas metálicas para estimular o setor imobiliário, oferecendo ao mercado a possibilidade de se construir edifícios a partir delas como alternativa ao tradicional concreto armado.

Além disso, criou entidades de fomento e difusão de conhecimento. Outras usinas também passaram a oferecer produtos para a construção em aço. Entretanto, a falta de integração de ações na cadeia produtiva nos levou a assistir, durante o período entre os anos 1980 e 2000, a uma maior progressão tecnológica no uso das estruturas de alvenaria e de concreto armado. Então, ficamos praticamente numa disputa de mercado entre substituir ou flexibilizar o que já acontecia de maneira tradicional.

Mas, hoje, parece que isso mudou. A gente ouve muitos especialistas por aí falando na transformação dos canteiros de obra em canteiros de montagem. Isso realmente acontece?

Não. Na verdade, isso não é uma realidade, mas sim uma tendência. São poucas empresas que investiram em tecnologias para realizar essa transição e estão aptas a fazê-la. Para a grande maioria delas o interesse está em validar as vantagens de utilização de outros processos de construção. E, por conta disso, passaram a dar maior atenção ao tema da industrialização agora em 2020. A grande massa está em busca de in- formação e, neste momento, é importante a presença de uma instituição como o ITIE, que, há quase uma década, difunde o conceito para acelerar o processo.

E qual foi o fator desencadeador dessa nova leitura?

Na prática, foram os hospitais definitivos e os de campanha que foram entregues em tempo recorde, por meio de processos off-site, ou seja, fora do canteiro de obras. A grande maioria das empresas, profissio- nais e instituições ligadas à construção civil estavam preocupadas com outros temas e raras eram as empresas que desenvolviam estratégias com tecnologias que permitis- sem superar os gargalos. Procuramos pres- tigiá-las este ano, com a realização do “FO- COS – Fórum da Construção Off-site”, que foi o primeiro evento nacional que reuniu os principais players do segmento, por meio de uma parceria entre o ITIE e a MB – Produções. Lançamos a “Expo Construção Off-site”, que será realizada em junho de 2021.

Corremos o risco da construção industrializada cair novamente no ostracismo, como aconteceu no passado?

Creio que, a partir de agora vamos observar um crescimento acelerado da construção off-site, embora com um peso econômico não tão acentuado. Antes os players do setor ainda viam distante as possibilidades de negócios e agora, entramos em um processo no qual o clima está mudando. É claro, vamos ter a segmentação entre os altamente tecnológicos, aqueles que são medianos – que representam uma parte importante, principalmente fornecendo componentes para empresas maiores –, e a grande massa, que vai continuar “empilhando tijolos”, mas com um olho em algum componente ou sistema industrializado. A construção industrializada de- manda investimentos e tradicionalmente as empreiteiras, pequenas construtoras e os profissionais liberais, que se propõe a serem construtores, não tem a cultura de investir. Eles simplesmente localizam o cliente, e o único investimento é na proposta, e em “pegar a obra” e executá-la. Mas os empreendedores que compreenderem o novo comportamento empresarial e com visão de demanda de mercado, façam investimentos tecnológicos e desenvolvam fornecedores buscando sucesso.

Em outras palavras, é quase uma questão cultural, responsável por nosso atraso. Na construção civil nos habituamos aos atrasos, retrabalhos, desperdício e a baixa presença de tecnologia. Não podemos dizer que a construção civil simplesmente é atrasada e, sim, que adquiriu um hábito que a prejudica, principalmente os profissionais das pequenas empresas. Esse é o grande desafio atual: mudar um hábito que nos permita desenvolver uma nova cultura para o setor. E será que esse período de COVID-19, com tudo parado, está ajudando nessa mudança de hábitos?

Durante a pandemia, com muita gente em home-office, as pessoas tiveram mais tempo de ver lives e webinars, e o próprio contexto do “Novo Normal” as deixou mais receptivas a começar a pensar de maneira diferente. Só que a questão cultural, você só muda com bons exemplos. Por isso a construtech catarinense “Brasil ao Cubo” foi tão feliz, durante a COVID, na entrega de diversos hospitais, em tempo recorde, em todo o país, aplicando processos de construção modular, que utiliza as ferra- mentas da arquitetura, engenharia civil e de produção. Quando as pessoas viram os hospitais prontos, começaram a mudar seu pensamento e, por extensão, a desenvolver uma nova cultura.

Você ou o Instituto de Tecnologias de Industrialização das Edificações (ITIE) tiveram alguma participação nesses projetos?

Sim e de forma direta com nosso programa educacional Inteligência Multiconstrutiva que possui cursos de pós-graduação e certificações profissionais em áreas dedicadas a industrialização, cursos estes propostos e difundidos muito antes da pandemia e introduzindo durante a pandemia o conceito de off-site construction no Brasil.

E como você vê as perspectivas de a indústria do aço ganhar pontos com essa mudança?

Vou responder o que eu julgo ser o lado bom e o lado do desafio. O lado bom é que, dos setores da construção civil, sem dúvida o aço é o que mais vem lutando pela industrialização, há décadas, para ganhar mercado, e superar a visão tradicional de usar predominantemente estruturas de concreto armado nas edificações. Aliás, já observamos isso com o avanço do sistema construtivo light steel framing. Mas é aí que entra o lado do atual desafio.

E qual é esse desafio?

É aquele que demonstra a necessidade fundamental dos operadores da indústria siderúrgica entenderem que precisam fortalecer e integrar as cadeias de supri- mentos. Não adianta só focar nos produtos, sejam vergalhões, barras, chapas, lingotes, tubos e vigas de aço, e virar as costas como se o restante dos processos não fosse problema da siderurgia. A construção industrializada precisa, de verdade que o setor siderúrgico seja mais parceiro e colaborativo. Por isso é que defendo tanto o conceito de Inteligência Multiconstrutiva, do qual sou o idealizador e difusor no ITIE, porque por mais que um setor seja importante e relevante, sem os demais você não tem o “todo”, ou seja, o melhor resultado final. Temos que ter um olhar mais múltiplo no que tange os processos e materiais, e entender que é inteligente saber trabalhar de forma colaborativa e integrada.

E como o ITIE pode ajudar, digamos, nessa transição produtiva?

De muitas maneiras. No Instituto, estamos de portas abertas para desenvolvermos, em parceria com os operadores da siderurgia – bem como com todos os outros players que têm algum nível de envolvimento com a construção industrializada –, produtos e soluções em nosso OFF-SITE LAB. Em outras palavras, a proposta do nosso time de profissionais e apoiadores não é exclusiva para os setores do aço, do alumínio, da madeira, do cimento ou do PVC, porque há questões e problemas sé- rios que precisamos resolver em conjunto. Com os nossos cursos, estamos levando a construção industrializada para todo Brasil, criando a maior rede colaborativa desse hub. Com o fortalecimento do trabalho colaborativo é a hora certa para a gente fazer isso. Evoluir é inevitável e necessário. Então, venham conosco!